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domingo, 8 de julho de 2012

TeAndara: Teatro Invisível

Vicente Franz Cecim






 

          BREVE INICIAÇÃO A TEANDARA



         O Teatro Invisível de Andara é, diferentemente do teatro da Presença tradicional, o teatro da Ausência. Dispensa, progressivamente, até a máxima ausência: atores, cenários, elementos de cena, ações encenadas num palco, e até o próprio palco, podendo ser apresentado em qualquer espaço físico. Alguém sentado em uma cadeira, ou no chão, ou em pé, diante de uma parede nua, pode assistir a uma TeAndara peça. A opção pelos graus desse progressivo Despojamento dependerá unicamente do encenador das peças TeAndara. A opção preferida pelo autor das peças TeAndara é a mais Despojada de tudo: quase ironicamente, as luzes da Platéia se apagam, se abre a cortina para um Palco Vazio aleatoriamente iluminado, por luz ou luzes intensas ou brancas ou em cores ou de uma só cor conforme a atmosfera da TeAndara peça que será apresentada: enquanto a Luz do Palco vai sendo lentamente apagada, os espectadores são convidados por Voz anônima cuja origem é invisível a irem fechando os olhos para começarem a assistir à peça TeAndara, a ser apresentada pelo Teatro Invisível de Andara. Fechar os olhos – por que? Porque as TeAndara peças se encenam no Interior de cada espectador. É o Teatro do Imaginário Humano,
onde cada espectador, diferentemente da postura passiva ou da situação de mera catarse que lhe determina o teatro da Presença tradicional, é chamado a uma participação, a ser ativo, a ser o Criador, em Si, da TeAndara peça – fundindo os atos de assistir e de representar em um Ato Único: ele se torna, ao mesmo tempo, espectador + ator + personagens + leitor & dramaturgo + cenógrafo+ encenador das TeAndara peças.  As dificuldades emergentes e os Despojamentos possíveis com que irá se confrontar o Encenador das TeAndara peças variarão de graus e intensidades, a cada uma delas. Vejamos quais podem ser essas Variantes de encenação:

I: Algumas se consentirão ser encenadas utilizando o mais radicalmente Mínimo recurso: apenas uma Voz narrando para a encenação individual no Teatro do Imaginário Humano – se encenando no espectador de olhos fechados.
 
II: Outras permitirão que alguns elementos de cena sejam mostrados na abertura da cortina para o palco iluminado, antes que as luzes comecem a
se apagar. Da mesma maneira, nesses casos, é possível mostrar, também, um ou mais personagens, antes das luzes se apagarem e os dissolverem no escuro. Mas serão aparições muito Fugazes - tanto os elementos de cena quanto os personagens, muito fugazes: como que clareados por relâmpagos. Serão apenas breves provocações sugestivas ao Imaginário do espectador, instilações mnemônicas para sua encenação pessoal da TeAndara peça.

III: Ou, quem sabe, se poderia esboçar alguma ação essencial, preliminar, cerne do assunto da peça, muito curtamente - com a mesma função iniciatória relampejada, à TeAndara peça.

IV: Uma alternativa híbrida seria: dando à Voz Invisível que narra a TeAndara peça o papel principal, condutor, aqui e ali, esparsamente, encenar e mostrar em cena alguns dos personagens e ações que irão sendo sobretudo descritos pela Voz. Surgindo brevemente ao longo da peça e logo se dissolvendo e sumindo da cena. Como Visões num sonho. Ou fragmentos de sonhos. Importante: - Isso deveria ser feito de forma absolutamente Lúdica – não da antiga forma dramática. Certamente seria instigante e poderia se tornar muito belo, esse surgir e sumir das coisas em cena. Seria uma representação do Efêmero. Mas, certamente, também estaria sendo uma muito generosa concessão do Teatro de Ausência TeAndara ao antigo teatro de presença. E qual seria a posição do espectador? Nesses casos híbridos o espectador estará sendo solicitado a ter apenas uma semiparticipação ativa na encenação da TeAndara peça, completando, pela intervenção do seu Imaginário, os fragmentos de encenação lançados do palco a ele - a partir das sugestões que lhe irá dando a Voz narradora.



EIS A SEGUIR DUAS TEANDARA PEÇAS:







I

ATO ÚNICO: 7 HOMENS TRISTES
VICENTE FRANZ CECIM


ação & dramatis personae/
palavras & sons: como se seguem


Cena I

         sete homens vestidos de negro inteiramente negro
como a noite mais negra de todo o universo
         atravessam uma paisagem de deserto com areias a perder de vista sob
uma luz de sol a pino que não se vê
         a paisagem toda cercada pelas paredes muito altas do grande aposento de uma casa

         o último homem Negro da fila implora a um grande gato que anda a sua frente indiferente aos seus apelos e inteiramente branco tão branco quanto a mais excessiva luz que possa se ver no universo
         que lhe permita falar ao menos uma vez com deus

         um raio cai do céu e o clarão cega todos por um instante e eles caem no chão
         como mortos ou desfalecidos não se sabe

         o gato foge com um longo grito alucinado

         AS TREVAS DESCEM SOBRE A PAISAGEM


Cena II

         AS LUZES VÃO SE ACENDENDO NOVAMENTE E SE VÊ

         sentado sobre uma nuvem imensa artificialmente feita de flocos de algodão uma manifestação da Imagem Ocidental de Deus comenta esses acontecimentos que acabou de ver com um Dragão Vermelho de peça de teatro Kabuki que fica se bamboleando ao seu lado sobre um tablado em forma de livro
         um livro também imenso azul com letras douradas
         em sua lombada se pode ler TRATADO DAS COMPREENSÕES VELADAS
        
         O DEUS: jurei jamais dizer a palavra Nada depois de ter criado a vida
         mas terei que dizer nada agora pela segunda vez isto é terceira nada se compara ao homem em espanto e sabor de doce-azedo em todo o universo
         O DRAGÃO: verdade seja dita que São Jorge também esperava deles muito mais do que lhe dessem a Lua gelada para morar eternamente
         e quanto a mim não lhes perdoarei nunca ter que suportar
         pela eternidade
         a fria lança cravada em meus flancos enquanto eles se divertem
         em seus jogos e danças amorosos se espetando outras pontas agudas feitas da sua Carne
         furiosamente
         e multiplicando os seus filhos para que por mais eternidades ainda haja gente lá na Terra para permanecer contemplando a Lua e a cena mística cruel que conceberam de São Jorge Espetando o Dragão
         PAUSA
         tudo indica que isso durará até o final dos tempos
         O DEUS: não não não permitirei que essa frase seja pronunciada
         em minha presença final dos tempos
         o homem já que é obra minha mesmo que a mais Imperfeita e Inacabada das obras que criei deverá perdurar para sempre e sempre et sempre ainda que a tudo o mais inflija a dor e a destruição
         a todas as coisas vivas ou mortas ou doces ou amargas ou líquidas ou feias ou belas ou infantilizadas ou amedrontadas ou arenosas ou matutinas ou crispadas ou ventrudas ou ausentes ou azuladas ou febris ou friorentas de quantas eu criei e depois continuaram se multiplicando já sem mim sem precisar de mim para mais nada quarta vez
         não nÃo NÃO

         a esse último grito de deus que soa em toda a abóbada celeste com um estrondo insuportável

         CAEM AS TREVAS SOBRE TUDO NOVAMENTE


Cena III

         voltando pé ante pé à PAISAGEM DESÉRTICA ENTRE AS PAREDES ALTAS DA CASA que vai clareando lentamente lentamente
         os sete homens de negro estão voltando SOB A LUZ DE SOL A PINO que não se vê

         entra o primeiro e observa o dorso da sua mão esquerda detalhadamente com uma lupa
         entra o segundo e segura o pé direito e o leva ao nariz inalando o seu odor profundamente
         intrigado
         entra o terceiro e no meio da cena pára e se põe a arrancar seus cabelos se desprendem aos chumaços e ele vai plantando os chumaços no chão
         curvado
         como o agricultor do Ângelus de Millet
         a luz nesse momento se torna crepuscular
         ouve-se enquanto a luz decresce o Ângelus das 6 Horas da Tarde crescendo de intensidade
         mas algo quebra o disco que range distorce os sons e finalmente pára
         a luz volta ao normal que sempre é luz de sol a pino violenta cegante

         entra o quarto que enfia nos lábios grandes Pregos Negros
         entra o quinto que traz um rouxinol amarrado com correntes para que não fuja a fera perigosa
         entra o sexto que traz também acorrentados o seu Pai e a sua Mãe os dois já muito velhos
         arrastados atrás de si

         todos agora estão na paisagem desértica entre as paredes altas sob a luz intensa cada um ocupado conforme entrou
        
         passa-se um tempo longo com eles ocupados nessas atividades

        
         então entra o sétimo homem com o grande gato         
implorando a ele que lhe permita falar com deus ao menos uma vez
         exatamente como no início de tudo
         o gato espia o céu e como um cão uivando para a lua lança um longo Miauuuuuuuu em direção à abóbada celeste
        
         todos param para observar o Gato miando para a abóbada vazia
         longa & grande imobilidade em cena
         longa & grande imobilidade em cena

         aí de um buraco imenso que se abre subitamente no chão emerge o deus
         domina toda a cena com sua vasta estatura
         avança para o gato que mia para o céu e o despedaça jogando depois os destroços do corpo retorcido no areal e torna a sumir buraco adentro no chão uma descida
furiosamente crispada de faíscas e emanações de gases rubros que lembra a descida que o Inconsciente imagina ser assim às profundas do Inferno
        
         todos voltam às suas atividades anteriores
         o primeiro homem de negro observa o dorso da sua mão esquerda detalhadamente
         com uma lupa
         o segundo segura o pé direito e o leva ao nariz inalando o seu odor profundamente
         intrigado
         o terceiro parado no meio da cena arranca os seus cabelos se desprendem aos chumaços e ele planta os chumaços no chão curvado
         como o agricultor do Ângelus de Millet
         a luz novamente se torna crepuscular decrescendo
         enquanto novamente se ouve o Ângelus do Crepúsculo crescendo de intensidade
         mas algo quebra o disco que range distorce os sons e finalmente pára
         a luz volta ao normal e sempre é luz de sol a pino violenta cegante sol que não se vê no alto da paisagem só sua luz
         o quarto homem de negro enfia nos lábios grandes Pregos Negros
         o quinto que trouxe o rouxinol amarrado com correntes parte as correntes e solta a ave que foge velozmente se debatendo contra as paredes até encontrar uma saída sangrando muito
         o sexto ao contrário vai buscar no canto da casa amontoada junto a uma parede mais corrente e reforça a prisão dos já acorrentados seus Pai & Mãe

         o sétimo homem sozinho num canto da parede
         olha para a abóbada celeste
         olha longamente
         enquanto os outros seguem outra vez ocupados em suas atividades e ignorando totalmente uns aos outros e a ele o sétimo homem

         o sétimo homem se põe de quatro Animalmente e esticando o pescoço até um ponto de tensão insuportável para o céu emite um longo infinitamente triste e desesperado uivo

         as luzes e os sons da cena vão decaindo lentamente até as Trevas totais
         e o Total Silêncio



TEANDARA: TEATRO INVISÍVEL
VICENTE FRANZ CECIM
CONCEPÇÃO EM 1997

ATO ÚNICO: 7 HOMENS TRISTES
Versão transcriada em 2004












II

APÓS A SEDE DOS DESERTOS

VICENTE FRANZ CECIM


ação & dramatis personae/
palavras & sons: como se seguem


um homem nu envolto num lençol rubro de sangue flutua no ar, horizontal ao horizonte, peito para baixo às vezes vira de peito para cima, para o céu, flutuando a um corpo humano de distância da areia por baixo, a infinitos corpos de distância do céu por cima quando volta para ele sua face no céu, vê nuvens de sal, que às vezes passam e vê outras coisas: aves, anjos, grandes manchas negras de culpa e às vezes não vê nada, se nada está passando, tem apenas o grande céu vazio por cima nas areias, no também grande deserto por baixo dele, também vê coisas coisas que ali estão passando: insetos, só os grãos de areia levados pelo vento, pedaços de papéis onde lê, aos fragmentos, em voz alta, coisas escritas: fragmentos dos Upanishads talvez, cenas de Don Quixote de la Mancha talvez, de Homero: Ulisses e as sereias talvez às vezes o homem flutuante julga ouvir também o canto das sereias às vezes espera ver os gigantes moínhos surgirem do horizonte vindo em sua direção pede a Dom Quixote emprestada a sua lança: Se eu tivesse lanças
às vezes, fortes rajadas de vento sopram em seu rosto, empurrando todo o seu corpo para trás: é preciso resistir, sufocando de tanto ar, nadar para frente batendo os braços com gestos bem desesperados, resistir para não ser levado pelos Ares e para onde? e para onde, nesse céu, para que parte desse céu que geralmente está vazio? e silencioso? tão silencioso que é inútil esperar por qualquer resposta a essa pergunta, mesmo quando o homem flutuante faz a pergunta ao vento: Lavado pelas águas desse vento, para onde? serei então levado? e para onde?
sempre que vem uma das rajadas de ar, é preciso calar: pois ele fica sem ar, por excesso de ar, e tem que engolir as palavras que pretende dizer e as noites vêm sobre ele, as estrelas vão surgindo no céu, a lua, amarela, sua luz amarela uma grande estrela às vezes surge sobre o deserto como a Estrela da Anunciação do Nascimento da Criança na Manjedoura e pousa sobre o homem e o envolve todo em sua luz, uma intensa luz azul sobre a areia branca azulada a perder de vista e se acende ao fundo como a projeção de um filme o Sagrado Coração Sangrando, aberto, o seu Martírio na hora do crepúsculo: ouve a voz do Ângelus e nascem e renascem os dias, muitas alvoradas também muitos crepúsculos, sempre passando pelo homem flutuante e sempre e sempre, rajadas fortes de vento: e sempre que uma rajada de ar vem ele tem que engolir as palavras que pretende dizer, enquanto ouve uma voz ecoante que se faz ouvir vinda de todas as partes da Vida – da areia por baixo dele, do céu por cima dele, inatingível - uma Voz que diz: - No Início era o Verbo sufocante
ante 
                     ante
                
             ante voz se distanciando depois > Silêncio 





então, voltam palavras & sons:

o Homem: olhando esses grãos de areia, náufrago no ar, às vezes sendo levado pelo vento, mas não agora, agora não há vento soprando, nem uma brisazinha vem
  náufrago no ar, como se fosse um lençol arrancado do varal numa tarde de sol, ou arrancado de uma cama, despertando de seus alvos sonhos muito brancos, levado pelos ares, deixando nus os sonhos de toda uma noite gelada
  náufrago
  no ar
  vendo passar um inseto, que lá de baixo Me vê aqui em cima, boiando na calmaria, agora que não há mas vento soprando, nem uma brisazinha

  o náufrago, no ar, não negro: Vermelho como sangue, para matar a sede deste deserto em que flutua

  etc
         etc    
                   etc






TEANDARA: TEATRO INVISÍVEL
VICENTE FRANZ CECIM
CONCEPÇÃO EM 1997

APÓS A SEDE DOS DESERTOS
2004



domingo, 1 de julho de 2012

X Asa de murmúrios

  VIAGEM A ANDARA oO LIVRO INVISÍVEL
 II foi no Tempo





foi
no Tempo,

um Lugar, onde estive


centro, para os Repousos humanos


Madeira
que os sóis conduziam às Cinzas
da Aurora ao Crepúsculo
madeira sempre sonhando com náufragos distantes pedindo um destino
de taboa de salvação,
quando chovia

gasta pela água dos céus
pelos Corpos que por ela
passavam

e Sumiam

como os homens nascem, o sol nasce
todo dia o sol nasce
e os Frutos na Árvore da Vida

e somem


Depois,
as Chuvas indo nos banhar
na Profundidade da Terra esperemos nos sonhando,
na Sede
onde depositados quantas Relíquias sendo esquecidas a cada dia iremos
afundando      Para um centro, para um centro

para o centro

do Centro


na Esfera
entre as estrelas,

como se Ser Circunferência fosse para Sempre




Foi
no Tempo

Quando uma vez estive no Centro


Havia a Sombra de Tudo e as sombras das árvores e das asas,
umas pousadas sobre nós outras voando baixo aqui
na Terra como no Céu,
                                      Lá
Fosse uma Tarde
Quantas Cicatrizes jogadas ali pelo chão
E te dissessem que Anjos haviam vindo curar Aquelas feridas


As Vozes,
te dizendo

aguarda a Árvore na Sombra da Semente
há Lentidões nos Rostos vazios das Miragens, Elas partiram
não há nada a dizer sem um Soluço
não retira a Tua mão da minha


seria o Inesperado
se visse Sem Nome




fosse uma Tarde
Mas tu não sentias a Melancolia dos Crepúsculos e nem ouvias o Rumor
de asas
então, fosse Manhã         ah Aquela manhã

nela a Noite,

resistindo



E vias as Marcas dos passos
Chegando e partindo da
Madeira

gasta pelos Corpos por ela
passando nas

coisas de sentar, ali

partindo e chegando, os homens, das coisas de sentar

coisas de sentar em Círculos
fosse no Centro do Mundo,
                                                        mas Longe



Olhando esses Passos,
aos teus pés,
ouvias Ondas gastando outro corpo        
                                                        a Nau

que partia ou chegava

a Nau

navegando na Areia se misturando
às Cinzas da Madeira, onde os corpos
passando, e sumindo, Fossem homens




Havia o Deserto sem margens

Havia aqueles lugares de sentar em Círculo de madeira onde às vezes deitar

Onde as Noites eram mais frias
e uns Ossos
e uns Desabrigados portodaparte,
                                                        ali

adormecidos

Deles fossem os passos




foi

no Tempo #



no Outro tempo não vias os Passos,

partindo e chegando

através da Madeira: Passagem
de Cinzas
                   e para Onde?


relógios de areia foram semeados nos Bosques
relógios de cinzas foi um tempo
de ventos apagando passos num deserto

aqueles passos Tu não viste



Não era o Tempo dos Lagos


que virá

te voltando para a frente de Timesmo
Água de limo no fundo dos Olhos

para que vejas, Vendo                                      a Nau

se afastando


no Centro do Silêncio